Sunday, December 04, 2005

Estação Surreal

A Estação Surreal



A cada risco que traço
Uma mancha d’ouro
Alastra pela cidade de chumbo.

A cada lança que lanço
Uma nova estação surge
No deserto férreo.

Assim nasce a estação.


E na estação
Um idoso de face pálida
Ostenta uma lança na mão,

Vê as horas
Confirmando
O atraso.

O relógio
É preto, branco
E redondo

O homem
Velho, engelhado
E esguio

E a lança
Aerodinâmica, de madeira
E aguçada.


O relógio atrasou-se
E o comboio chega adiantado,
Nesse instante

O tempo ficou estático

E o homem
Navegando contra o tempo
Balança ligeiramente o corpo

Provocando
Um breve desequilíbrio
Obrigando uma perna a avançar,



Os braços movem-se
Permitindo assim
Um equilíbrio,

Completando o processo de bipedia.

Depressa alcançou
O comboio
Onde 10 lugares vagos o preenchem,

Senta-se no nº3
Sobrando 7 atrás de si.

De cara apoiada no punho
Olha-me
Com olhos castanhos

De sobrancelhas carregadas
E pestanas pesadas,
Fixa-me..

O meu olhar
Depressa desfocou
E assim o deixei permanecer

Até que
Um som monótono
Surge distante

É o tiquetaque
Do relógio preto e branco
Que acelera para compensar o atraso.

O comboio arrancou
Mas a lança ficou no banco
Peguei nela

E sentei-me no banco
De madeira negra
E chão branco

À espera do comboio
Naquela estação estática
Onde o tempo anula a imortalidade.


André Ventura
15/10/2005

Tuesday, October 04, 2005


"Visões Nocturnas" de Filipa Scarpa (www.fotografia-na.net)


Sonhando

Choro da maresia(parte I)

Via-te a correr naqueles campos desnivelados com um tom de verde gracioso

onde o Sol fazia com que o orvalho parecesse pequenas pérolas a treparem as folhas

dos lírios.

Eras bela, engraçada e eu não me cansava de te ver com aquele cativante

vestido branco manchado(uma oferenda da terra solta). Até que, enquanto corrias caíste

para cima das minhas pernas e pela primeira vez focaste os meus olhos (eram tão belos

os teus...castanhos).

Parecia um combate intenso em que as retinas se mutilavam para brilhar mais que

as adversárias, mas eu não resisti e de repente esse brilho vidrado transformou-se

numa pequena gota do mar.

Afastaste a tua cara, mas pousaste as tuas frágeis e delicadas mãos na minha

face como movimento de piedade e sussurraste:

-Teus olhos choram. Choram o Mar...

-Outrora choraram rios correndo freneticamente para o Mar.- Respondi tentando

atenuar o meu choro.

De olhos fechado (parte II)


E fez-se silêncio. Foi durante esse momento ensurdecedor de silêncio que atravessei o ventre do mundo, finalmente estava no plano da magia, eu sonhava como nunca sonhei.
Foi nesse momento que comecei a sentir o vento cantando as árvore, as nuvens a tocarem-me ao de leve fazendo precipitar os poros da minha epiderme, a brisa atrevida secando os meus lábios, o ar indeciso entrando e saíndo das minhas vias respiratórias, nesse momento eu senti...
Decidi aproveitar o momento sabendo que este poderia ser breve como o relâmpago inspiratório para a construção do poema e, simplesmente, deitei-me. Desfrutava daquele pano de fundo azul, aquele céu, com uma erva seca no canto da boca (aquela imagem tradicional do acto de reflectir sobre o vago).
E de repente, fartaste-te daquele silêncio debruçaste-te sobre mim com as mãos ao lado dos meus ombros e os teus cabelos deslizaram sobre o oxigénio até tocarem-me na face. Estrangulas-te aquele silêncio arrebatado até à morte e disses-te:
-Olha-me!
-Estou a olhar, como poderia perder tal prazer. Ver esse teu vidro aquoso com ramos castanhos escuros entrelaçados possuindo um orifício negro misterioso, não consigo deixar de olhar para essa tua irís. Como hei-de conseguir?- Respondi e questionei, sem saber o que realmente falava.
-Simples, fechando os olhos - Disse ela no seu tom melódico passando seus dedos semi-abertos nos meus cabelos embrenhados.
-Se é tão simples fecha-mos. -tentei-a a conseguir resolver o enigma.
E assim me fechas-te os olhos, fizeste-me deixar de ver os espelhos da tua alma, fizeste-me algo...
Finalmente sorri para o mar, descobri que este acolhia amistosamente os rios, finalmente os rios se salgaram, finalmente salgas-te os meus lábios.
O beijo prometido......

Nada de Novo(parte III)

Meus lábios ficaram salgados, e tu continuavas a olhar-me fixamente à medida que afastavas o teu corpo envolvido num efeito contra-luz com os raios do pôr-do-sol. OS teus movimentos eram frios, gélidos, quando eu tentei-te agarrar os teus dedos…deslizaram.
Uma lágrima deslizou no canto do meu olho e em poucos instantes tinha a cara salgada, mas não dos teus beijos! Mas sim de lágrimas minhas!
Aos poucos desapareceste naqueles raios de luz quase mortos como o meu coração. O amor de sangue que por ti sentia depressa se tornou numa carnificina auto mutiladora sentimental.
Passei a noite ao relento, sem lágrimas, sem água, sem alegria, apenas com um bocado sal extremamente seco colado nos lábios.
Gesto triste…o meu levantar. Olhei fixamente uma constelação, cujo nome desconheço, mas também não interessa! Não era nada de especial! Mas a lua estava enorme e cheia! Como há 7 dias atrás, nada mudou…

Andei sempre em frente naquela escuridão até que avistei fumo no horizonte descobri ser de um pequeno casebre, com uma horta de reduzidos dimensões guardada por um manso e receptivo rafeiro sempre de cauda a abanar, pobre inocente criatura.[E se eu te quisesse matar!?]Dei umas festas no cão, e pela janela de madeira com tinta rosa estalada observei uma bela idosa a fazer crochet numa cadeira baloiçando ligeiramente. Olhei-a durante 5 minutos e fiz-me de novo à estrada à procura de algo novo.

André Ventura


Posted by Picasa

Friday, September 23, 2005

Era uma vez


Sem titulo de Luís Henriques (www.fotografia-na.net)

Era uma vez


Como pensamento vago
Debruçado no horizonte
E suportado
Por um punho cerrado,

Como raio de luz
Iluminando
A cidade adormecida,

Como alma imaculada
Caminhando sobre o fogo
De rosas,

Vem o dia…

O dia,
Em que o homem se ergue,
Em direcção à labuta.

De olhos semicerrados
E coração adormecido
Regará a comida
De outros,

Trabalhará uma vida
Para a sua família,

Chegará a casa
Como ser de lama
Erguido pelo cansaço,

Será sempre o homem
Que ninguém conhece,
Com vestes invisíveis
E passos imperceptíveis,

Será o homem
Que amará o mundo
Sem ser amado,

Será o homem
Que alimenta o mundo
Sem ser alimentado.

E a sua mulher
Todos os dias o espera
Na cozinha
Com a mesa
Meticulosamente ornamentada,

Será ela
Que lhe servirá a sopa
Um pouco insonsa
Por falta de dinheiro.

Mas não há melhor
Do que sopa com amor.

Será ela que à noite
Adormecerá
Os seus inocentes filhos
Com contos contados
Por uma voz de sereia.
(Como só uma mãe sabe)

Para que as crianças
Sonhem
Com um futuro diferente!

André Ventura
21/09/2005

Posted by Picasa

Tuesday, September 13, 2005

Vida Primaveril


"Regresso de um mundo novo" de Jrgarcia(www.fotografia-na.net)



Vida Primaveril


Em leitos de jardim
E ervas verdes matinais
Acabas por surgir
Vida primaveril

O teu tempo de vida
é Efémero

No meio de correntes
Artísticas
Ganhas realce
Como ballet nunca antes tentado!

Floresces
Em secas anuais
E dás de beber
Aqueles que nem o orvalho conhecem.

Nem tempestades
Te estragam esse poder cíclico,
Pois todos os anos eu espero
E tu vens

Vida primaveril..



André Ventura

13/09/2005

Posted by Picasa

Wednesday, June 22, 2005

Imunidade Lacrimante


"The fall" de Negateven (www.fotografia-na.net)


Imunidade Lacrimante

Amanhã
O Sol secará
A saliva,
Que brotei propositadamente,
Como todos os líquidos.

Mas…
Nos confins dos líquidos,
Apenas um não secará!

Essa lágrima
Que todos temos,
Essa lágrima
Atolada a meu coração.

Brilhante, luzente!
Como prisma dos sentimentos!
Como oásis em corpo humano!

Porém
Esta é como a rosa,
Traiçoeira
No topo (no seu auge!)
Uma flor de beleza extasiante,
Mas com espinhos ao longo de seu caule.

Lágrima…
Cicatriz memorial,
Trago-te comigo
À medida que me matas
Para quando morrer
Ter inscrito na minha lápide
“Morri enquanto VIVI”!

André Ventura
16/06/05

Posted by Hello

Wednesday, June 15, 2005

Eugénio de Andrade


Eugénio de Andrade
Pintura de Mário Botas, 1980



Pequena Elegia de Setembro

Não sei como vieste,
Mas deve haver um caminho
Para regressar da morte.

Estás sentada no jardim,
As mãos no regaço cheias de doçura,
Os olhos pousados nas últimas rosas
Dos grandes e calmos dias de Setembro.

Que música escutas tão atentamente
Que não dás por mim? Que bosque, ou rio, ou mar?
Ou é dentro de ti
Que tudo canta ainda?

Queria falar contigo,
Dizer-te apenas que estou aqui,
Mas tenho medo,
Medo que toda a música cesse
E tu não possas mais olhar as rosas.
Medo de quebrar o fio
Com que teces os dias sem memória.

Com que palavras
Ou beijos ou lágrimas
Se acordam os mortos sem os ferir,
Sem os trazer a esta espuma negra
Onde os corpos e corpos se repetem
Parcimoniosamente, no meio de sombras?

Deixa-te estar assim,
Ó cheia de doçura,
Sentada olhando as rosas,
E tão alheia
Que nem dás por mim.

Eugénio de Andrade
Póvoa de Atalaia, 1923-2005


Só hoje tive a coragem de o fazer.

Um bem haja com lágrimas

Posted by Hello

Tuesday, June 14, 2005


"Where are you inspiration?" André Ventura Posted by Hello

"Empty" André Ventura Posted by Hello

"Moments " André VenturaPosted by Hello

Monday, June 13, 2005


"Fresta de luz" André Ventura Posted by Hello

"Paisagem (fetos 2)" André Ventura Posted by Hello

Wednesday, June 08, 2005

Coragem


"Solidão Involuntária" de Augusto Tomé (www.1000imagens.com)


Coragem

Nós sabemos o que agora tem valor
E o que se faz na realidade.
A hora da coragem vem até às nossas horas,
E a coragem não nos abandona.
Não é terrível jazer sob as balas mortais,
Nem se fica amargurado por perder o tecto,
E nós preservamos-te, língua russa,
Grande verbo russo.
Levamos-te livre e pura
E deixamos-te aos nossos netos,
E da servidão te salvamos
Para sempre!

Anna Akhmatova

[ Tradução de Manuel de Seabra ]

Posted by Hello

Tuesday, May 31, 2005

Elemento


"Antique" Igor Amelkovitch (www.fotografia-na.net)Posted by Hello




Elemento

Ervas daninhas
Ao rubro do vendaval,
Onde passo a passo
Harmonias tal inquietude.

André Ventura

Criança prematura


"the Sound of Silence" Armindo Dias (www.fotografia-na.net) Posted by Hello





Criança Prematura

Rasgas o ventre
Criança prematura,
Caminhas ensanguentada
Pelas históricas
Pedras da calçada,

Agracias as pessoas
Com o teu
Sorriso encarnado,

E as tuas mãos
Cumprimentam
Caras desgostosas
Como sombras.

Mãos essas, com dedos
Unidos
Por pequenos fios
Gordurosos e
Sedentos de sangue.

Tens Sangue!
Símbolo de virtude,
Não te escondes!
Vives!

Não te sujeitas
A quadrados
Pessimamente
Ornamentados.

Não te reges
Por leis nojentamente
Expelidas
Por mentirosos compulsivos!

Apenas tu criança,
Que à noite
Brincas arrancando
As crostas sujíssimas de terra
E limpas de pecado.

André Ventura

23/05/05