A Estação Surreal
A cada risco que traço
Uma mancha d’ouro
Alastra pela cidade de chumbo.
A cada lança que lanço
Uma nova estação surge
No deserto férreo.
Assim nasce a estação.
E na estação
Um idoso de face pálida
Ostenta uma lança na mão,
Vê as horas
Confirmando
O atraso.
O relógio
É preto, branco
E redondo
O homem
Velho, engelhado
E esguio
E a lança
Aerodinâmica, de madeira
E aguçada.
O relógio atrasou-se
E o comboio chega adiantado,
Nesse instante
O tempo ficou estático
E o homem
Navegando contra o tempo
Balança ligeiramente o corpo
Provocando
Um breve desequilíbrio
Obrigando uma perna a avançar,
Os braços movem-se
Permitindo assim
Um equilíbrio,
Completando o processo de bipedia.
Depressa alcançou
O comboio
Onde 10 lugares vagos o preenchem,
Senta-se no nº3
Sobrando 7 atrás de si.
De cara apoiada no punho
Olha-me
Com olhos castanhos
De sobrancelhas carregadas
E pestanas pesadas,
Fixa-me..
O meu olhar
Depressa desfocou
E assim o deixei permanecer
Até que
Um som monótono
Surge distante
É o tiquetaque
Do relógio preto e branco
Que acelera para compensar o atraso.
O comboio arrancou
Mas a lança ficou no banco
Peguei nela
E sentei-me no banco
De madeira negra
E chão branco
À espera do comboio
Naquela estação estática
Onde o tempo anula a imortalidade.
André Ventura
15/10/2005