Sunday, December 04, 2005

Estação Surreal

A Estação Surreal



A cada risco que traço
Uma mancha d’ouro
Alastra pela cidade de chumbo.

A cada lança que lanço
Uma nova estação surge
No deserto férreo.

Assim nasce a estação.


E na estação
Um idoso de face pálida
Ostenta uma lança na mão,

Vê as horas
Confirmando
O atraso.

O relógio
É preto, branco
E redondo

O homem
Velho, engelhado
E esguio

E a lança
Aerodinâmica, de madeira
E aguçada.


O relógio atrasou-se
E o comboio chega adiantado,
Nesse instante

O tempo ficou estático

E o homem
Navegando contra o tempo
Balança ligeiramente o corpo

Provocando
Um breve desequilíbrio
Obrigando uma perna a avançar,



Os braços movem-se
Permitindo assim
Um equilíbrio,

Completando o processo de bipedia.

Depressa alcançou
O comboio
Onde 10 lugares vagos o preenchem,

Senta-se no nº3
Sobrando 7 atrás de si.

De cara apoiada no punho
Olha-me
Com olhos castanhos

De sobrancelhas carregadas
E pestanas pesadas,
Fixa-me..

O meu olhar
Depressa desfocou
E assim o deixei permanecer

Até que
Um som monótono
Surge distante

É o tiquetaque
Do relógio preto e branco
Que acelera para compensar o atraso.

O comboio arrancou
Mas a lança ficou no banco
Peguei nela

E sentei-me no banco
De madeira negra
E chão branco

À espera do comboio
Naquela estação estática
Onde o tempo anula a imortalidade.


André Ventura
15/10/2005