Monday, January 07, 2008

Retrato de alguém como nós




Passaram-se 5 meses depois da última carta. Um ano depois do desfecho de todo aquele sonho, o jovem Colar estava sentado a ver mais um daqueles programas desinformativos, a comer bolachas mais que torradas do LIDL e a beber um sumo concentrado de morango cheio de corantes e conservantes. A sala até estava bem decorada tendo em conta o mau gosta dos móveis daquela casa alugada. Móveis com flores indecifráveis detalhados pela sua madeira castanho-falso, a única coisa que dava vida eram uns panos coloridos e uma cadeira do IKEA. Eram 6 da tarde e Colar desfrutava dos descanso merecido depois de um dia inteiro a arrastar os olhos por um computador das finanças. Colar era um fracasso, um dos muitos talentos perdidos, com o sonho da poesia e da escultura acabou nos números sem necessidade de grande esforço matemático. Perdido na vida, perdido na morte, perdido no trabalho, perdido no descanso, perdido no amor Colar era mais uma alma desalmada como tantas outras.

[O jovem Colar tinha 25 anos, cabelo castanho claro, cara triste e desmanchada pelas olheiras, olhos castanhos esverdeados encobertos pelo nevoeiro dos fumos consumidos há 10 minutos, calças russas (gastas de tanto uso), t-shirt vermelha]

A campainha toca, não de surpresa, antes pelo contrário, tinha à porta a sua dose de vida sexual necessária para sobreviver mais uma semana sem alguém permanentemente a seu lado que o satisfaça não só na arte do sexo. Naida, uma jovem de 20 anos vendedora de serviços libidinosos, entrava sem uma palavra, pousou o casaco na porta da cozinha e perguntou:
-Onde vai ser hoje?
-Pode ser aqui mesmo, na cozinha. Se não te importares.
Naida soltou um sorriso leve e ripostou:
-Desde que me pagues e não me peças fetiches demasiado obscenos por mim, tudo bem.
Naida ao ver nos olhos dele um fulgor a nascer retirou a roupa numa fracção de segundos, Colar seguiu-a na arte de desnudar pessoas. Foram de encontro um ao outro e, sem grande pormenor para descrever tiveram duas horas quentíssimas em chão geladíssimo.
-Então até terça querido! – com uma nota de 100euros despediu-se com um sorriso na cara, que nada demais dizia a não ser um obrigado escusado pelo pagamento.
Fisicamente exausto, mentalmente vazio, deitou-se sobre o seu sofá decorado com formas geométricas muito mal colocadas e coloridas. Pensava e não pensava, desde à 1 ano que decidiu pensar no que não interessa, dedicou-se a ler revistas de pesca, astrologia, humor seco, banda desenhada sem conteúdo e também algumas de bordados e culinária.
A hora do jantar entre amigos na pizzaria da sua rua chegara, amigos secos estes. Durante o jantar as conversas rodopiavam no eixo de temas relacionados com desassuntos de homens, aventuras com mulheres que não existem, trabalho que destrabalha a alma de uma pessoa e sobre, acima de tudo, sobre o tempo. Colar levantou-se no fim e foi pedir um whisky ao balcão. O copo nem de whisky era, feito de um vidro fino prestes a partir e ele apercebeu-se da sua fragilidade. Agarrou-o, apertou-o nas suas mãos até que este cedesse nesta luta desigual. Agarrou firmemente na base do copo e sem pensar em assuntos desinteressantes desferiu três golpes no velho homem velho sentado ao seu lado. Matou-o.
Olhou para empregada do balcão e perguntou:
- Não sei se mereceu mas veja lá, foi bem morto ou não!?
Pousou o dinheiro no balcão, olhou à sua volta e viu o que já não via à muito. Conseguiu com que todas as pessoas à sua volta se transformassem em estátuas, em esculturas e expressões que ele próprio idealizou. Gritou:
- Viva a arte do movimento cimentado! Ah Ah! Viva vocês! Camaradas imóveis!
Vestiu o casaco por cima da t-shirt vermelha e, cheio de orgulho saiu da pizzaria.

[Continua]


Fotografia: My Dinner With Andre by londonxpress

2 comments:

Anonymous said...
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Anonymous said...

Camaradas e amigos,

O blog do Carapau inicia-se!

E assim mais um blog junta-se à galáxia dos Blogs. Esperemos que mais este grão de poeira venha a causar mais do que alguns espirros…

http://carapau.wordpress.com/